UM FINAL DE SEMANA SÓ
Era um sábado como todos os sábados, como tantos sábados foram. Cheguei cedo para o almoço, como tantos outros almoços. No mesmo restaurante, na mesma mesa, na mesma cadeira. Um lugar confortável e simpático, como tantos outros. Eu gostava dali porque tinha paredes de vidro apenas sustentadas por colunas de concreto, dava uma visão quase completa de cento e oitenta graus, assim eu poderia ver o meu carro do outro lado da rua, e também as pessoas que trafegavam de um lado para o outro, nada muito interessante. O garçom, o mesmo de sempre, perguntou o que eu gostaria de beber, depois de desejar bom dia, O senhor deseja beber o de sempre, Pode ser, E para comer, scallop ao molho madeira, sem champignon, só com palmito e aspargo e uma porção de arroz branco, acertei. Olhei para ele assustado, não imaginei ser tão previsível, detestava a previsibilidade nas pessoas, nos tornava seres sistemáticos, como se fôssemos máquinas fabricadas em série e pudéssemos ser desmontados e estudados peça por peça. Vai demorar só alguns minutos, concluiu o garçom, alegre por ter acertado em cheio, Eu aguardo Simas.
Não havia muito que fazer, era tudo igual, até as músicas sertanejas que eu, particularmente, não gosto, quase sempre eram as mesmas. Tomei de um só gole todo o licor e depois fiz a mesma coisa com o café, fui até lá fora e acendi um cigarro como de costume, fiquei a contemplar a rua. Gostava daquela rua – Homero Castelo Branco – bem movimentada à noite; cheia de restaurantes, butiques, shopping. À noite a elite desfilava com seus carrões e as ‘minas’ UP TO DATE lançavam moda, os garotos com seus AMERICAN WAY OF LIFE tomavam coca-cola e chope, acho que estou fora de moda, hoje em dia já não se usam mais essas expressões em Inglês, acho que nem meu pai usava.
A juventude é uma das coisas mais belas e verdadeiras, mesmo para ser desmentida como disse Camões, vivem intensamente como se o mundo fosse acabar no dia seguinte, é sem dúvidas, o lado mais honesto da sociedade, que se diz elitizada, Posso servir o almoço, perguntou Simas, Pode sim, e obrigado.
A comida estava uma delícia, comi devagar para não parecer mal educado, um saco, esse negócio. Quando terminei, repeti o ritual do licor e do cafezinho, e fumei mais um cigarro do lado de fora do restaurante, aguardando a conta, como das outras vezes. Paguei deixando uma gorjeta pro Simas, como sempre. Atravessei a rua quase correndo para não ser atropelado por uma loira apressada. Abri a porta do carro, quando um garoto de rua se aproximou, Hoje tem gorja, Doutor, falou sorrindo,Tem, toma aqui, dei duas moedas de cinquenta centavos. VALEU aí doutor. Cadê o Carniça, perguntei por perguntar, meio desinteressado, Ah, doutor, eu nem te conto, Ontem à noite ele foi entregar, lá no morro da esperança, umas roupas lavadas de encomenda da mãe dele, é que ela tava meio doente, sabe como é que é, coisa de mulher todo mês, aí doutor os samangos da polícia chegaram e fecharam com a cara dele de porrada, nem perguntaram nada, foi parar no hospital todo arrebentado, e a mãe teve que lavar a roupa de novo, sabe como é doutor, neguinho pobre depois das nove, de noite, com trouxa na cabeça, é tudo ladrão pra polícia, ele nem sabe se ainda vai andar, a mãe está com ar de doida, foi prestar queixa na delegacia, e o doutor delegado falou pra ela ficar na dela que a coisa podia ter sido pior, dá pra entender doutor. Fiquei comovido com a história e acrescentei mais uma moeda na gorjeta, Vê se fica ligado, você também, não confia nesses samangos é tudo igual, Pode deixar Doutor, comigo a coisa é diferente, tá limpo.
Era tudo igual, só as estatísticas da criminalidade e da corrupção é que continuam aumentando a cada dia. Volto para casa e leio um jornal. PF. ACHA LABORATÓRIO DE REFINO DE DROGA. A CULTURA É UM DIREITO BÁSICO DO CIDADÃO. TÚMULOS SÃO VIOLADOS POR LADRÕES DE PEÇAS DE COBRE. PREFEITURA FAZ QUIOSQUES EM TERRENO DE PARTICULAR. DINHEIRO DE COMBATE À DENGUE É NOVO ROUND ENTRE SECRETÁRIOS. PARALAMAS VOLTAM MAIS ROQUEIROS QUE ANTES. DÓLAR: comercial 3,87 para compra e 3, 875 para venda. Não havia novidades, estava tudo igual ao dia anterior, ao mês anterior, ao ano passado... dia mais chato, uma droga, o telefone não tocou. Ela não ligou.
Leandro Dumont
08/11/2002