LOUCURA, DESPERTAI


        Estou aqui... E aqui... E aqui também. Estou em toda parte e na alma além. Porque não preciso das grandes ilusões, das fantasias do poeta embevecido. Somente tu já me deténs em sonhos de um dia infindo. Tu que não me segues em orla de ondas e não falas nada, apenas sorri. Lado a lado somos a antinomia de duas tão distantes leis e ao mesmo tempo tão próximas, sou teu condimento. Se ofusco o brilho da emoção, é por razão ainda mais forte e arrebatadora que me convém, que me prende ao mítico da consciência humana, chamada Razão..
        Vê quanta loucura há dentro de mim: se sou eu uma versão de mim mesmo, o que falar da minha segunda pessoa, usando sempre a primeira para definir as duas? Nunca saberei quem sou quando falar de ti, porque a luz da Razão pede o contrário dentro de mim, e quando eu digo: vem! O outro diz: vai! – é a parte que vive sem o todo num caos de espírito atormentado – e isso não se trata de crise existencial, porquanto só os tolos e néscios a tem, porque em Sócrates “a vida que não se questiona não vale a pena viver”. Também não se trata de compreender a realidade dentro de mim. Mas de duas partes distintas e insólitas que a natureza pôs no mundo ao som da flauta e da harpa que se humanizam, porém, são como as margens de um rio perene que nunca se tocarão.
        Razão e Loucura andam de mãos dadas, caminham tranquilamente aos olhos atônitos dos simples mortais – não pela Razão, que é comportada e serena, pondera as causas e efeitos de todas as relações com a mesma lucidez, mas pela Loucura, irreverente e extrovertida, dominada pela paixão – repleta de imperfeições. A Razão não sou Eu, nem Eu mesmo, que de razão não tenho em nenhuma das partes. Eu sou a imperfeição dos olhares, porque sou o que sou, um louco disfarçado que precisa da Razão ao seu lado, pois se perco a Razão que farei eu um louco solitário? Talvez esta seja como a loucura de Rotterdam “a única capaz de alegrar os deuses e os mortais”, mas não quero elogiá-la embora isso me satisfaça. Vil desgraça é o bom laço dos loucos desvairados, pois bem sei deste fim que está próximo e condena este pecado. A razão é pura e boa, a Loucura é insana, traz consigo todo o fardo do pecado, mas não esqueço, é sublime e humana, é ditosa e verdadeira mais que a razão. Como então a Razão pode andar ao lado do pecado da Loucura? É que a Razão perdoa a Loucura, cura o pecado e brilha na escuridão insana. Deixa-me, pois, cheio da Razão e tu veras quão vazia a Loucura ficará. E o que será de ti Razão, sem o louco a ti exaltar? Serás simples pragmatismo, um mundo sem verdades, triste e desagradável, estagnado em lugar nenhum. E que vida haverá sem os sortilégios da Loucura a qual rouba de ti o suprimento da própria vida? – se sou louco, não o sou em vão, pois os meus sortilégios hão de pertencer à Razão. Ah, quantas injúrias apregoo a ti, minha branca Razão, que nada tens a ver com a Loucura dentro de mim! Esta insanidade que levarei ao eterno com cuidado, sem ferir a tua alva luz, sufoca minha alma, mas alegra o sopro da aurora vida.
        Razão e Loucura são duas partes de mim. Porque se caio em desespero, há Razão perto da parte ruim e o fosco brilho da Loucura é réstia de luz na escuridão, é um anjo que aparece dentro de mim. Mas a loucura persegue infame, e do alto do seu egoísmo, atrocida a razão sem piedade e aclama sua escuridão. Foge da luz como foge o Diabo da cruz. Mas é da noite que vive a luz, tão inseparáveis e acorrentados pela força da Loucura. Vive dentro do todo como a parte ruim, são negros traços de verdades que desesperadamente quero arrancar de dentro de mim. Este grito de liberdade que separa, é morte certa das duas partes de um corpo, é a solidão sem fim.
        Sendo assim, incólume, alimento a Loucura para sobreviver e não perecer à solidão, e alimento a Razão para que domine a Loucura e esmague o desejo da paixão.
        Porquanto, devo calar-me, porque calando, este corpo jaz em loucos desejos de ventura, e porque todo o mal advém da boca do homem, e porque este é o fino preço de todo o mal da humanidade. Se tenho o mal dentro de mim, não persevero na maldade, mas foi porque precipitei na loucura de ser normal. Teu nome é Razão, livra-me, pois, do fardo atroz do mal e da Loucura de ser humano em vão.
Cego estou no labirinto grego do minotauro. Tirésias clareia meus olhos para o futuro, faz de mim a mais pura sensatez, seja Eu ou Eu mesmo. Que importa o Ide, que importa o superego, se ambas as partes atadas estão?
        Se somente a Razão pode conformar-me, a que devo esperar então? Pois bem sei que esperar é fruto sábio dos doutos filósofos. Porém, esperar em vão é fruto da loucura, de um devaneio insano e solitário dos nefelibatas e poetas que desejam um mundo diferente. Entender a loucura, todavia, sim, é esperar, é mergulhar em chamas do próprio devaneio, é ser verdadeiramente louco, onde a Razão não permeia em brancas nuvens ao ar, é querer um mundo diferente.  
No esperar dentro da noite é que existe o pensar, tão forte e intenso como a escuridão que invade os olhos da alma, e tão frágil e fino como a transparência das reflexões, que ao despertar dos primeiros raios do dia se vão. Resta o confortar do silêncio e da solidão, tão impenetráveis quanto necessários, para se ouvir a voz da Razão, que, silenciosamente, guarda segredos profundos do perfume da Rosa da Loucura, eternamente.


Leandro Dumont
14/09/2007