O QUE PENSO DA VERDADE?!
O QUE PENSO DA VERDADE?!
Um dia desses, ao final da tarde, eu estava caminhando pela cidade quando um amigo meu atravessa a rua abraçado a uma mulher que não era a sua esposa. Estando ele apressado não me viu passar ao seu lado. Não fiquei chocado, nem desapontado, nem ao menos surpreso, mas confesso que fiquei um pouco irritado, pois, apesar de conhecê-lo há quase vinte anos e saber que seu casamento já dura quase isso, conheci sua esposa, a Nanda, ainda adolescente e desde então somos amigos, é uma mulher que costuma elogiar o marido. Ela sempre aparentou ser uma esposa muito dedicada à família, formam um casal quase perfeito e, pelo que me consta, vivem muito felizes, é o que ela me fala sempre que nos encontramos, digo, eu ela e seu marido.
Contar ou não contar a verdade, eis a questão. Claro que se trata apenas de um exemplo para que reflitamos nas seguintes questões que surgirão mais adiante sobre o dilema. Bom mesmo é não trair para mais tarde não ser traído por alguma circunstância infeliz da vida.
Em primeiro lugar eu posso contar a verdade a ela e acabar com um casamento de quase vinte anos ou, simplesmente, fazer de conta que não vi nada e deixar para lá, e que sejam sempre felizes.
Mas eis que me encontro com a Nanda, dias depois, e ela me pergunta se sabia de alguma coisa sobre uma tal mulher que, supostamente, havia saído com seu marido: “Pergunto isso a você porque sei que seria a última pessoa que mentiria para mim, e quero dar esse assunto por encerrado, colocando um ponto final nessa história agora mesmo”.
As verdades têm essa capacidade de destruição ou construção, do mesmo modo que a mentira ou a omissão podem, fatalmente, comprometer um relacionamento. Mas este é o aspecto mais estereotipado que envolve a questão da verdade. O outro aspecto, o que considero mais complexo, é quanto a “ser ou não ser verdadeiro”. Verdade pode não ser a mesma coisa que verdadeiro. A verdade quase sempre deve ser exposta, ela é necessária e urgente em todos os níveis sociais, porque ajuda a preservar a justiça e a igualdade entre os povos e também é um valor moral. A verdade sempre será a verdade mesmo que não seja pronunciada. Tudo bem, mas e quanto a ser verdadeiro. Isso é bem mais difícil. Eu diria que ser verdadeiro – e isso é apenas uma opinião pessoal – é refletir e ponderar sobre essa verdade, quais as consequências que ela pode provocar. Veja o que diz Antônio Roberto em seu artigo Traição: contar ou não contar? Que me inspirou este texto:
Ser verdadeiro é quando a pessoa coloca os valores éticos acima da moral. O moralista nunca mente, mas, em compensação, é falso consigo mesmo, é claro que tem consciência de seus limites e, por isto mesmo, julga a todos. Na medida em que critico alguém , condeno ou julgo, passo uma imagem de que sou uma pessoa muito correta e que jamais teria aquela conduta, isto nos leva a correr muitos riscos. Mas, para que sejamos verdadeiros, temos que percorrer um grande caminho. Precisamos combater a nossa vaidade de deter um certo poder ao contar para o outro algo que ninguém contou, dá uma ilusão de que temos poder.[1]
Algumas vezes, a revelação provoca às pessoas danos irreversíveis que poderiam ser evitados. E ao contrário da verdade, o verdadeiro só existe quando se pronuncia de alguma forma, até mesmo com o silêncio, a sua consciência ética é que vai ou não transformá-lo em verdadeiro. Lembre-se, não estou defendendo a mentira incondicional, mas uma posição reflexiva sobre seus efeitos. Essa história de que sempre “a verdade deve ser dita, doa o quem doer”, já não seria uma mentira, fora do considerado ético? Quem já não mentiu ou omitiu a verdade para proteger alguém ou a si mesmo? E quem já não revelou uma verdade sobre o outro como se nunca houvesse proferido uma mentira e se sentiu vaidoso com isso? Pensando lá no fundo: “ah, que alívio, eu disse a verdade!”.
Mas é importante que se diga que a verdade deve surgir para edificar e não destruir o espírito do homem. Na história, muitas pessoas não suportaram a verdade das suas realidades e puseram fim às suas vidas. Na revista SUPERINTERESSANTE de janeiro de 2003, intitulada SUICÍDIO podemos ler a seguinte matéria escrita por Maria Fernanda Vomero:
Segundo o mais recente relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 815 mil pessoas se mataram no ano 2000 em todo o mundo – uma taxa de 14,5 para cada 100 mil habitantes. Isso significa um suicídio a cada 40 segundos. A “violência autodirigida”, como o suicídio é classificado pela OMS, é hoje a 14ª causa de morte no mundo inteiro. E a terceira entre pessoas de 15 a 44 anos, de ambos os sexos. Não pode mais ser ignorada.
O fardo da vida, para muitos, é estarrecedor. As angústias existenciais e espirituais, os insucessos e transtornos de cada um, tornam a vida muitas vezes sem sentido, e essa verdade em meio a uma traição, para muitos pode ser fatal. Muitas verdades deveriam ficar em invólucros de véus. Assim tem sido sedimentada a nossa história social, sobe véus ideológicos que consagram mitos religiosos em nome de uma tradição cultural, mártires, deuses e heróis que controlam a sociedade humana, mas isto é uma outra conversa.
O que quero acrescentar é que, muitas verdades são ditas para os aplausos puritanos, e não somente para revelar a verdade. Mas a verdade também pode ser revelada como pretexto para satisfazer um sentimento de vingança ou inveja, ou para se livrar do peso da culpa, do fardo da dor, da solidão e da perda de um grande amor. Em outros casos a verdade pode ser usada como passaporte religioso e criar semideuses acima de outros homens. Os falsos pretextos não se esgotam para revelar uma verdade de conveniência e favoritismo. O casal de que vos falo até hoje vivem juntos, e recentemente tiveram mais um filho. Uma criança linda.
Muitas verdades são expostas para o engrandecimento daquele que se diz verdadeiro, como se este tivesse o poder da luz e sua alma fosse imaculada e transparente. Quando falam da verdade olham para os lados para saber se estão sendo observados pelos demais. Era assim que os puritanos do século XVII se sentiam: donos da verdade. E assentados nesta verdade, mataram milhares de pessoas na fogueira.
Leandro Dumont
27/07/2012